terça-feira, 2 de novembro de 2010

Faço aqui uma pausa para falar da minha família. Apesar das dificuldades financeiras que passamos em alguns momentos da vida, posso dizer que meus pais foram muito felizes. Lembro-me da madrugada em que minha mãe morreu. Nos reunimos na sala e chamamos nossa avó de quase 90 anos de idade para comunicá-la. Como sempre ela foi muito realista:

_ Não podemos fazer mais nada, minha filhinha está com Deus agora...

Meu pai, com a voz embargada de tristeza, disse a ela:

_ Dona Mariquinha eu fui na sua casa buscar sua filha e me casei com ela. Quero lhe dizer que ela me fez muito feliz, me deu oito filhos, me honrou como homem e marido. Cuidei dela até o último dia de vida. Agradeço a Deus pela vida dela e pela esposa que tive.

Minha avó, dura como uma pedra, amoleceu e começou a chorar...

_ Pedi tanto a Deus que me levasse antes de minha filha, mas ele não me atendeu. Que seja feita a vontade dele e não a minha.

Naquela madrugada me lembrei de uma cena de nossas vidas. Estáva-mos almoçando. Meu pai na cabeceira da mesa como era de costume.  Minha mãe, sentada ao seu lado direito, fazia as orações antes de cada refeição. Aliás, havia duas regras básicas: não se podia ir a mesa sem camisa e comer sem orar. Sem agradecer a Deus pela vida, pela comida, pelo trabalho...

Meu pai puxou uma conversa:

_ Quando eu morrer quero ser sepultado ao lado de minha mãe lá em Brasiléia.

Ele nunca tinha falado sobre isso. Senti uma ponta de orgulho de meu pai por ter falado na morte com nobreza, com coragem. Minha mãe foi mais ousada ainda.

_ Pois eu, quando morrer, vai ser diferente. Vou morrer de madrugada quando o sol estiver nascendo. Quero ser velada na igreja e sepultada no primeiro buraco que estiver aberto. Pode ser a primeira vala mesmo. Não serei mais eu, podem jogar em qualquer lugar. Tem mais: Quero uma cerimonia bem bonita na igreja. Tenho mais um pedido a fazer: Não quero ninguém chorando no velório, fazendo escândalos, dando gritos e chiliques. Por favor, não me matem de vergonha. Só mais uma: antes de morrer quero um banho bem gelado, bem gostoso que vou durar ainda uns três dias.