sábado, 21 de janeiro de 2017

Mulher...por que estás tão longe de mim?
Por que afasta-te como um barco a vela levado ao sabor do vento?
Por quê?
Ordena ao vento frio das montanhas em que estás que traga teu suave perfume até mim, carregado de orvalho até a planície rude em que me encontro.
Vejo-te nos sonhos em meio à neve da Cordilheira Andina,
É o que me alenta nas noites de profunda solidão causada pela tua ausência.
Não sei viver sem ti.
Sofro...
Quem dera pudesse cobrir-te de beijos agora, nesse instante profundo em que o silêncio me angustia a alma.
Quem dera...sim...quem dera...apertar-te contra meu peito e dizer-te num sussurro...o quanto te amo.
Olhas para o céu estrelado esta noite
Porque estarei procurando por ti.
Se as nuvens me impedirem de ver as estrelas
não tenhas medo, estarei contigo assim mesmo.
A chuva que desfia chorará por mim a tua ausência e saberás que verdadeiramente te amo.

sábado, 4 de junho de 2011

Depois de passar uns dias em Rio Branco, conhecendo a capital, não tinha mais do que 70 mil habitantes. Fiquei encantado com a rua Epaminondas Jácome. Meu Deus, quanto carro bonito. Rural, jeeps, aerowillis, fuscas. Nunca tinha visto tanta gente na rua, transitando, conversando, vendendo e comprando. A ponte JK estava em fase de construção das pilastras. Rio Branco era uma cidadezinha nostálgica. homens e mulheres bem vestidos, crianças filízes, meninas bonitas...
Depois de alguns dias iria voltar para Brasiléia de avião. O DC3 Pan-nair

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Faço aqui uma pausa para falar da minha família. Apesar das dificuldades financeiras que passamos em alguns momentos da vida, posso dizer que meus pais foram muito felizes. Lembro-me da madrugada em que minha mãe morreu. Nos reunimos na sala e chamamos nossa avó de quase 90 anos de idade para comunicá-la. Como sempre ela foi muito realista:

_ Não podemos fazer mais nada, minha filhinha está com Deus agora...

Meu pai, com a voz embargada de tristeza, disse a ela:

_ Dona Mariquinha eu fui na sua casa buscar sua filha e me casei com ela. Quero lhe dizer que ela me fez muito feliz, me deu oito filhos, me honrou como homem e marido. Cuidei dela até o último dia de vida. Agradeço a Deus pela vida dela e pela esposa que tive.

Minha avó, dura como uma pedra, amoleceu e começou a chorar...

_ Pedi tanto a Deus que me levasse antes de minha filha, mas ele não me atendeu. Que seja feita a vontade dele e não a minha.

Naquela madrugada me lembrei de uma cena de nossas vidas. Estáva-mos almoçando. Meu pai na cabeceira da mesa como era de costume.  Minha mãe, sentada ao seu lado direito, fazia as orações antes de cada refeição. Aliás, havia duas regras básicas: não se podia ir a mesa sem camisa e comer sem orar. Sem agradecer a Deus pela vida, pela comida, pelo trabalho...

Meu pai puxou uma conversa:

_ Quando eu morrer quero ser sepultado ao lado de minha mãe lá em Brasiléia.

Ele nunca tinha falado sobre isso. Senti uma ponta de orgulho de meu pai por ter falado na morte com nobreza, com coragem. Minha mãe foi mais ousada ainda.

_ Pois eu, quando morrer, vai ser diferente. Vou morrer de madrugada quando o sol estiver nascendo. Quero ser velada na igreja e sepultada no primeiro buraco que estiver aberto. Pode ser a primeira vala mesmo. Não serei mais eu, podem jogar em qualquer lugar. Tem mais: Quero uma cerimonia bem bonita na igreja. Tenho mais um pedido a fazer: Não quero ninguém chorando no velório, fazendo escândalos, dando gritos e chiliques. Por favor, não me matem de vergonha. Só mais uma: antes de morrer quero um banho bem gelado, bem gostoso que vou durar ainda uns três dias.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Minha história

CAPÍTULO I

Uma criança medrosa...
Antigamente eu tinha melancolia aos domingos, principalmente no final das tardes. Era uma tristeza danada. Um vazio só. Aquela sensação de que alguém tinha morrido ou que eu ia morrer. Às vezes tinha a mesma experiência ao cair da tarde dos dias comuns. Sempre no ocaso. O Sol se pondo e eu morrendo junto com ele. Os últimos raios do Sol desaparecendo e eu ficando com medo da noite que chegava.

A primeira estrela que despontava no céu não era suficiente para me tirar da caverna. Ao contrário, sentia-me mais só ainda. Eu tinha medo da noite. Eu tinha medo de Deus. Medo de morrer e ir para o inferno. “E se eu tivesse cometido algum pecado que não lembrasse de pedir perdão, morresse e fosse parar no inferno”? O simples pensamento me dava calafrios.

Não sei exatamente quando comecei a ter medo da noite. Medo de Deus. Quando criança era comum dormir cedo. A luz acendia às 18 horas e apagava às dez. Passei muitas madrugadas acordado debaixo de uma coberta suando aos cântaros com medo de que o “cão” ou alguém que morreu viesse me buscar. Tinha pavor de mortos. Aos seis anos de idade, por volta se 1968, comecei a ter medo dos “comunistas da Rússia”. Eles vinham buscar crianças para matar, tirar os miolos e fazer remédio para poder ler o que às pessoas pensavam. Era um terror. Soube disso através dos colegas de escola.

O medo aumentou quando soube que na área em que meu pai tinha construído o casarão em que morávamos era um velho cemitério abandonado. Inicialmente, dos índios que habitaram a região depois dos combatentes da Revolução Acreana.  O que me aterrorizava mais ainda era o fato que meus pais nunca fechavam à noite as janelas da casa, principalmente da cozinha e da sala de jantar. Eram enormes janelas corrediças. O sanitário era agregado a casa, mas o acesso se dava pela sala e não pelos quartos. Levantar a noite para ir ao banheiro com uma vela ou lamparina na mão ou mesmo com uma lanterna era um tormento.

No começo dormia com meus irmãos menores em um quartinho aconchegante colado ao quarto de meus pais. Acordava com medo e sem que percebessem me metia entre eles. Minha mãe começou a ficar incomodada e me mandava voltar para a minha cama. Às vezes ia à ponta do pé e deitava aos pés dos dois sem tocá-los para que não acordassem. Sentia-me seguro, o medo passava. Era uma sensação de segurança indescritível. Dormia profundamente. Até o medo de Deus passava.

Certa vez, acordei com uma dor de barriga terrível. Tinha um penico debaixo da cama para as crianças urinarem. A ordem de minha mãe era inflexível:

 _ Se for bosta não pode ser no penico, tem que ir ao banheiro. Acende uma vela e vai.  Aqui não tem onça, bicho-papão nem defunto. Tem que ir. Fiz no penico com medo de ir ao banheiro. Do quarto dela minha sentiu e disse:

_ Menino, pega esse penico e vai jogar no vazo sanitário, jogue um balde de água e venha para a cama. Fiquei apavorado com o fato de ter que sair do quarto naquela noite escura como breu. Breu era pouco para tanta escuridão. Não havia lua e o céu estava encoberto de nuvens carregadas de chuva. O vento que soprava anunciava uma noite de pesada chuva.

Como eu poderia sair do quarto naquela escuridão toda? O mais grave é que tinha cometido um pecado mortal: Havia mentido para a minha mãe. Disse que não fora eu que havia furado a lata de leite condensado e comido com farinha escondido em baixo da mesa. A dor de barriga era o começo do castigo e tinham me ensinado que “menino que mente é visitado de noite pelo cão”. Se eu for lá fora o bicho vai me pegar.
E agora? Se eu contar para minha mãe ela é capaz de me dar uma surra.

_ Vá logo levar esse penico lá fora ou vou aí conversar com você, sentenciou minha mãe pela última vez.

Tinha mais medo de peia do que do cão. Tremendo de medo resolvi ir. Peguei a vela acesa presa a um pequeno prato e dei os primeiros passos. A vela na mão esquerda e o penico na direita porque era mais pesado. Abri a porta do quarto e caminhei mais um pouco. Passei pela sala de visitas e me aproximei da grande sala de jantar com suas pesadas janelas abertas. Forcei a vista para enxergar alguma coisa lá fora. Não dava. A escuridão era total.

Meu coração começou a disparar de medo, estava suado e ofegante.  Meu pecado da mentira não saía da minha mente. E se o cão viesse me pegar? Quem sabe um comunista? Os outros meninos me disseram que eles já haviam levado outras crianças de Cobija. Até do seringal já tinha sumido menino. Andei mais um pouco. Foi um desastre. Uma brisa soprou na vela que apagou. Por ironia do destino, uma gata no cio soltou um miado que era a voz do próprio demônio ecoando nos meus ouvidos. Foi à conta. Joguei a vela e o penico para cima e sai em desabalada carreira aterrorizado em direção ao quarto de meu pai gritando pela minha mãe.

_ Que foi isso menino, gritou meu pai focando a lanterna na minha cara apavorada.

Eu tinha passado pela sala, pelo nosso quarto tinha pulado por cima da cama deles na velocidade da luz e estava escorado na parede do outro lado. Tremia-me dos pés a cabeça. Chorava, gagueja e gritava: Mamãe foi um bicho que quis me pegar. Papai foi um bicho bem grande. Ele deu um berro e ia me morder...queria me levar embora! Mamãe fui eu que comi a lata de leite com farinha. Eu menti para a senhora. Perdoe-me mamãe eu nunca mais vou mentir para a senhora. Confessei o pecado na hora.

_ Que bicho que nada menino. Você deve ter feito a maior sujeira com esse penico lá na sala. Vai ter que limpar ou vai levar uma surra.

_ Calma Nega, ele ficou com medo dos gatos lá fora que não deixam ninguém dormir. Amanhã vou dar um jeito neles, disse meu pai tentando me ajudar.

_ Tudo bem, mas pode ir limpar a sujeira que você fez lá na sala. Não quero nem ver. Chamem as meninas para ajudar. Amanhã pela manhã vou ter uma conversa com você sobre a lata de leite.  

Fui crescendo, mas o medo não diminuía. Ao contrário, aumentava. Além do medo de Deus, do cão, do inferno, dos mortos e dos comunistas surgiram novos medos. Medo de onça quando ia para o seringal em que meus avós moravam. Os pais de minha mãe eram seringueiros. Bons seringueiros. Gente simples, feliz e muito trabalhadora. Passei a ter medo de que meus pais morressem. Irmãos e amigos também. Ficava angustiado com essas idéias que assolavam a minha mente. Com a construção da estrada entre Rio Branco e Brasiléia passei a ter medo de ladrão. Passar na frente de cemitério, nem em sonho.

Algo que me atormentava quando a noite ia chegando era a de que a nossa casa estava em cima de um velho cemitério. Não sei se por brincadeira ou não o velho senhor, o “seu Elí”, que nos ajudava a cuidar da horta disse que havia encontrado um crânio humano quando fazia uma das leiras de alface. Acreditei sem nunca ter visto ou perguntado pela tal cabeça. Essas conversas alimentavam minha mente fértil de criança.

Certa noite, com medo de ir para o quarto sozinho, fiquei na sala de jantar escutando as conversas. Para refrescar o calor de dezembro, meu pai atava redes no velho salão das janelas abertas. Era antes das dez e a luz ainda estava acesa. Cansado, adormeci. Acordei no escuro e me dei conta que não estava no quarto e sim na rede, na sala com todas as janelas abertas. Instintivamente puxei o lençol e cobri a cabeça. O coração disparou, comecei a suar e a lembrar dos pecados que tinha praticado. Perdi a conta: falei palavrão, menti para a professora, briguei na escola, não fiz o dever...tava condenado ao fogo do inferno. Todos foram dormir nos quartos e eu fiquei sozinho na sala.

Daquela noite não escaparia. O cão viria me buscar. Pensei em levantar da rede, mas a porta do quarto poderia estar fechada por dentro. Não me arriscaria a ir e ter que voltar para a rede. Na rede era mais seguro. Estava com os sentidos tão aguçados que poderia ouvir uma barata ou uma aranha passar por baixo da rede. Naquela noite havia lua. Podia perceber mesmo estando todo coberto. Via o clarão que entrava pela janela aberta. Não era o suficiente para aplacar o medo de meus pecados e dos demônios que atormentavam a minha mente de criança.

A rede! Meu Deus, ela estava suspensa no ar. Uns setenta centímetros do chão, mas seria o suficiente. Um bicho-papão poderia passar por baixo dela e me espetar ou até mesmo me levar. Não tinha como me defender. Era apenas uma criança esquecida em uma rede em uma sala grande com todas as janelas abertas. Era uma presa fácil. Se morresse, como seria minha cara de defunto? Ficaria com os olhos entreabertos? Meu pai e minha mãe iriam chorar muito. Não! Eu não queria morrer. Não queria ser espetado nem levado. Era muito pequeno para morrer.

Apavorado e percorrendo os labirintos de minha mente em busca de salvação ouvi os cachorros latirem lá fora. Dei-me conta que a porta da frente de casa, que dava para a rua estava entreaberta. Que descuido! Como alguém pode esquecer a porta aberta? Não foi esquecimento. Foi à providência de Deus para que eu fosse punido, castigado. Para que fosse levado pelo cão.

Mergulhado nas profundezas do medo, quase entrando em pânico senti que minha rede foi empurrada de baixo para cima por alguém ou alguma coisa. Tentei gritar por socorro não consegui. Perdi a voz. Tentei balbuciar “mamãe” não consegui. Fiquei mudo de tanto medo. A rede balançou e voltou para o lugar. As minhas costas foram empurradas e roçara também nas costas do bicho que passou por baixo topando em mim. Costas com costas.

Tentei assumir o controle da situação. Escutei mais latidos de cachorros lá fora. Foi o “Feroz”! É isso! Foi ele, foi o nosso cachorro. Só pode ter sido ele que passou por baixo da minha rede. Essa possibilidade foi me enchendo de alívio, apesar do suor gelado no corpo inteiro. Aos poucos, mesmo sussurrando, consegui falar “mamãe”. Quando senti que a voz voltou continuei a sussurrar: Pai Nosso que estais nos céus, santificado seja o teu nome, venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade, assim na terra como nos céus, o pão nosso de cada dia nos daí hoje, perdoai os nossos pecados, assim como perdoamos a quem nos tem ofendido, pois teu é o reino, o poder e a glória para todo o sempre amém. Jesus eu prometo que não vou mais querer ver uma mulher ganhar neném nem a vizinha tomar banho. Também não falo mais palavrão.

Foi uma madrugada de tormento esperando que a alma de um índio ou algum combatente da Revolução viesse me pegar. Afinal de contas nossa casa tinha sido construída em cima do velho cemitério índio aonde alguns combatentes da Revolução também haviam sido sepultados. Acordei com o Sol da manhã batendo no meu rosto. Abri os olhos. Estava vivo. Não foi dessa vez. Que sol maravilhoso, que calor, que vida, que alegria!

Ás vezes minha mãe deixava eu e meus irmãos brincar na rua até mais tarde um pouquinho com outros meninos da vizinhança. Desde que fosse perto de casa. Ou ficávamos na frente de casa, ou íamos para a quadra de esporte atrás do grupo escolar Getúlio Vargas. Contava-se estória de comunistas que estavam pegando as crianças, futebol, assombrações, do heroísmo dos combatentes da Revolução e da viagem do homem a lua. Se o homem vai à lua o mundo vai se acabar. Vai acabar em fogo. Em água não pode mais. Olha o arco-íris no céu. É promessa de Deus. Vai ser em fogo. Todo mundo vai morrer queimado. Como pode? Meu pai, minha mãe eu e meus irmãos morrerem queimados?

Nasci em 1961, em Brasiléia, cidadezinha encravada na fronteira com a Bolívia, oriunda da colonização nordestina por conta da extração da borracha.

Quando eu tinha 11 anos, em 1972, mudamos para Rio Branco, a capital do Acre.

Minha maior alegria era saber que a energia funcionava 24 horas. Já tinha vivido essa experiência. Vim a Rio Branco aos nove anos de idade e fiquei na casa da minha tia Alneide de Paula Moreira, na Rua Sergipe esquina com a Avenida Ceará. Ela era casada com o “seu Adalberto”, os dois fabricavam picolés. Não tinham filhos. Hoje em dia tem um posto de venda de combustíveis no local.

Naquele lugar dormi em uma rede, com uma lâmpada acesa a noite toda. Que coisa maravilhosa. Luz a noite toda. O motor não desligava. Era demais. Nunca mais acordaria com medo. Era o fim dos medos. Sem escuridão, sem sombras, sem visitações noturnas criadas pela mente de crianças. Acenderia a luz e pronto. Tudo estava resolvido. Ledo engano. Apesar de tudo sempre soube esconder meus medos, mas novos medos surgiriam até o dia em que resolvi por um fim em todos eles ou quase todos!


Uma família feliz!